domingo, 5 de dezembro de 2010

a bruxaria e o seculo XXI

No mundo atual, existe um grande número de linhas e visões a respeito das forças mágicas. Em suas técnicas e sistemas, a bruxaria trabalha para uma união entre as diversas faces das divindades e da humanidade, numa visão holística que une os elementos ancestrais a uma nova mentalidade, voltada aos desafios do século XXI.
Alex Alprim

Existem tantas linhas de magia quantas estrelas existem no céu. Isso ocorre porque o homem tem procurado – em cada sociedade, em cada cultura –, uma forma própria de expressar sua espiritualidade e a conexão desta com o Universo.
Ao longo da história religiosa ocidental, existiram períodos conturbados nos quais aconteceram várias perseguições incitadas por sacerdotes e governantes, que resultaram em milhares de mortos, quer nas fogueiras acesas pelos cristãos, quer nas guerras de genocídio que surgiram com a fragmentação do Império Romano e da popularização do cristianismo.
Devido ao que ocorreu nesse período conturbado, tornou-se comum imaginar a bruxaria como uma prática religiosa oposta ao cristianismo, posição que é até mesmo defendida por várias linhas de magia, que propõem uma ruptura com tudo que represente os princípios da Igreja Católica.
Mas nem todas as antigas linhas de magia e bruxaria estão ligadas a essa visão. Podemos até citar o druidismo (os druidas eram famosos por sua sabedoria e conhecimento mágico), que considerava Cristo como um arquidruida – isto é, um profundo iniciado nas artes e ciências mágicas – postura que ganhou grande destaque no cristianismo irlandês.
Para saber mais sobre os pensamentos que norteiam essa bruxaria, conversamos com as bruxas Nadja Zanovitch e Paula Francisquini. Elas desenvolvem seus rituais de acordo com os antigos ensinamentos, passados de geração em geração numa linha de sucessão dentro do clã mágico ao qual pertencem: Os Discípulos da Arte.

Eu queria que você explicasse para nós o que vem a ser a bruxaria segundo a sua visão e o trabalho que você desenvolve.
Nadja Zanovitch: Para falarmos sobre bruxaria, temos de entender a história de Adão e Eva a partir de uma outra visão, mais antiga. Entre as muitas revisões pelas quais passou, conhecemos apenas a história na qual Deus dá origem a Eva a partir da costela de Adão, mas na verdade essa lenda não é cristã, e tampouco originalmente hebraica: ela é mais antiga, remontando aos assírios.
Segundo essa versão que se originou na Mesopotâmia, Eva gera o macho (Adão), como seria de se esperar (uma mulher dando origem à vida), e faz dele o seu cônjuge. Portanto, é o contrário da versão bíblica. Adão nasceu de Eva, ela foi o "primeiro Ser", e Adão, o segundo.
E você sabia – estamos falando de bruxaria – que Jeová significa “Deus salve a mulher”? As bruxas consideravam isso significativo e interessante, pois o nome Jeová, que é formado pelas quatro letras hebraicas Yod-he-vau-he, possui esse significado de forma clara em suas letras.
A primeira letra (Yod) significa “eu”; as três seguintes significam “vida e mulher”. A versão latina dessas três letras é "e-v-e". Em outras palavras, o nome de Jeová é feminino e significa: “eu sou mulher” ou “eu sou vida mulher”, ou “Deus salve as mulheres”. Então, na verdade, a bruxaria é muito antiga; pode-se dizer que recua até a época de Adão e Eva.
Contudo, ser uma bruxa é acreditar e estar em contato com os quatro elementos da Terra: fogo, terra, ar e água. E mais: Deus fez um homem à sua própria imagem. Então, Deus é tanto homem quanto mulher.

A bruxaria é só feminina, ou também existem homens que a praticam?
Paula Francisquini: Para nós, dentro do clã, a força maior é da mulher, pelo fato dela ter o “grande útero” (ligado ao antigo culto matriarcal), pois só ela pode gerar filhos; ela tem um grande universo emocional, ela sangra conforme as fases da Lua.
Para nós, a mulher tem muito mais funções mágicas do que o homem. Dentro da magia, o homem se torna o guardião de todas nós; ele é o conhecedor, o alquimista que vai descobrir várias coisas para nós. Não que uma bruxa também não possa descobrir, mas o homem é um alquimista inato, é um guardião inato, enquanto nós temos a força do poder feminino, da magia mais pura; ela também é pura emoção, agindo muitas vezes por impulso. Devido a inúmeros aspectos, o homem já possui o seu aspecto racional mais forte, que, às vezes, a mulher deixa de lado.
Por isso, diz-se que, ocasionalmente, a mulher tem de saber se controlar, porque ela tem o ciclo menstrual, tem os seus momentos de raiva, de ira; ela passa por uma infinidade de sentimentos e sensações.
E um homem é mais “centrado” do que uma mulher. Ele consegue ser mais “diplomata” do que uma mulher. Então, a mulher tem de aprender muito mais, porque ela é puro sentimento, e a magia é sentimento, é o desejo da pessoa. Se você está com desejo daquele homem, daquele cargo, daquela espiritualidade, é o seu desejo mais interno. O homem vai desejar, mas vai racionalizar demais e, às vezes, isso também se torna uma barreira para ele. Essa é a diferença.

Então existe um equilíbrio, e não uma preponderância de um sobre o outro?
NZ: Um equilíbrio muito grande. É como Jeová. Se você for estudar nos livros antigos, vai perceber que eles falam sobre isso. Eu até tenho algo sobre isso no meu Livro das Sombras, que fala muito sobre bruxas, e escrevi muito sobre o assunto. É considerada religião mesmo, mas é feminina, é extremamente mulher. Na Bíblia, eles apresentam a questão como se não existisse o útero materno. Deus criou o ser humano só do homem; não existe o útero, e para nós tudo gira em torno do útero.

Então, o princípio do feminino presente na bruxaria e na magia de forma geral, mudou apenas com a transformação da estrutura religiosa? Ou seja, quando o homem passou a ser preponderante na sociedade, ele mudou a história?
NZ: Mudou a história. O homem estabelece o seu poder, segundo o mais forte, pois ele é dotado de grande força física, enquanto nós temos o útero (a conexão com a Grande Mãe). Desde que o mundo é mundo, a mulher sempre foi muito mais atrevida do que o homem. É algo muito mais forte. É o que eu falei sobre Jeová. Você vai ver nos escritos antigos que Jeová significa aquilo que eu disse.

E o que é a magia em si?
PF: Magia é uma energia que todo ser humano tem, um poder especial. A magia está em tudo e em todos. É o modo como você pensa, age, interpreta. Lógico que fazemos “a magia”; existe a parte das comidas, a arte da elaboração das poções e dos rituais, além de várias outras magias para você cuidar do ser humano em seus diversos aspectos.
Contudo, o modo como você se alimenta, como você vê a vida, o modo como você age; isso é magia. É o que nós chamamos de egrégora. Quanto mais você pensa em algo, mais você atrai aquela força para a sua vida. Se você pensa ou deseja algo – positivo ou negativo – aquilo vai ser projetado como magia.
Magia é energia pura, e nós somos “a energia”. A mulher tem muito mais chances de ter contato com sua parte mágica por ser feminina, embora o homem também possa usá-la de outras formas e meios. Homens e mulheres, embora divididos, precisam uns dos outros para atingir a unidade mágica. A magia está em todos, em todo lugar.
NZ: Magia vem do mágico, o magus, a imaginação, que significa "imagem mais ação". Tudo aquilo em que você acredita. As bruxas, por exemplo, precisam dos fetiches (os símbolos e formas mágicas usadas nos rituais desde o paleolítico), precisamos de algo para fixar a força mágica. Mas a mente humana também é a própria magia.
Tudo aquilo em que você acreditar, você é. O homem é uma tela mágica. Uma tela que reflete tudo que fazemos, mas temos de possuir uma mente forte para usá-la plenamente.
Você tem que acreditar no poder que você tem, usar sua imaginação (imagem mais ação) e o poder da oração. O que é oração? Orar mais ação. Se você orar somente, você não vai fazer nada, e se não tiver ação, não acontece nada. É orar mais ação: isso é magia, essa é a grande força da bruxaria.

E o que é essa bruxaria?
NZ: A bruxaria é um conhecimento profundo e extenso. A nossa tradição possui várias histórias e ensinamentos que nos dizem como as magias atuam, as ervas principalmente. A bruxaria é uma arte que tem origem no campo e, por isso, ela é na verdade o estudo das ervas, o estudo da mente feminina. Ela também é a dança do corpo, é o útero em si, é a geração da vida, porque é no útero que você é gerado. Bruxaria significa o útero; para mim, o útero da Grande Mãe.

E essa Grande Mãe seria uma deusa só, ou várias deusas?
NZ: Várias deusas. Existem várias "nossas senhoras", inclusive Santa Brígida – que se comemora no dia de São Judas Tadeu – que foi uma freira, morta por ser acusada de bruxaria. Joana D’Arc é uma santa também.

E o que são o deus e a deusa a que tantas linhas de bruxaria se referem, e que lemos em tantos livros?
PF: Vou explicar segundo o nosso clã. O clã tem várias hierarquias. Então, por exemplo, deus é Jesus, deusa é Nossa Senhora. Claro que existem outras vertentes que nos ligam a Afrodite ou aos outros tipos de deusa; ou à grande Hecáte. É lógico que nós acreditamos nessas outras linhas, e usamos a Hecáte, que está ligada às fases da Lua.
Para você entrar para o clã, você aceita a existência e a sabedoria do grande homem, sábio e divindade representada por Jesus. Você pode ser budista, kardecista, o que você quiser, mas você tem de ter essa noção de Jesus, que para nós foi o maior de todos os magos.
Para nós, Deus é um ser com grande poder que, por meio de seu filho, fez muitas coisas por nós, nos salvou. Seu filho veio a Terra para nos salvar, nos ajudou, e nós seguimos o que ele diz, os preceitos: paz, amor, ajudar o próximo. Sempre muito amor, amor e amor.
A Nossa Senhora é a mais pura, é a mulher que concebeu Jesus, a mulher que trouxe muita sabedoria e nos ensinou muitas coisas, o protótipo perfeito do que tem de ser uma mulher, e para nós ela é uma grande bruxa. Ela nasceu uma grande bruxa, e tinha o que eles chamavam de visão; para nós, é pura intuição e magia.

Mas a Igreja Católica perseguiu as bruxas. Não é meio estranho seguir uma bruxaria que aceita a visão da Bíblia?
NZ: Na época da Idade Média, você vivia um período tenso com o fim do grande Império Romano do Ocidente, e havia uma ignorância e um medo generalizados. Não se podia fazer absolutamente nada. Você não podia dançar e, se você conhecia bruxaria, acreditava-se que você cultuaria o demônio, Lúcifer. E essa visão existia embora a Igreja soubesse muito bem que Lúcifer significava “luz de fé” e que ele foi o anjo que Deus mais amou; só que ele queria saber tanto quanto Deus sabia, então houve a Queda.
Tudo o que era relacionado a ervas, rezas ou à arte da cura que a bruxa fazia, eles (a Igreja) já condenavam, pois eles não acreditavam. Foi o que aconteceu com Joana D’Arc, que escutava as vozes dos anjos, e eles diziam que ela escutava as vozes de demônios.

E a percepção da Igreja sobre a bruxaria? Milhares de mulheres e homens morreram queimados nas fogueiras na Inquisição, e quem interpretou isso foi a Igreja Católica.
PF: Para eles tudo era diferente. Por exemplo: a Virgem Maria teve visões, pois ela tinha a intuição, mas para a Igreja eram somente os anjos interferindo, e mais nada. É lógico que há um contexto cultural; existiram muitas bruxas voltadas para o lado negro e que faziam uso negativo do saber mágico, mas isso existe em todos os lugares e épocas, não só na bruxaria.
Existiam mulheres nas comunidades da época que sabiam seduzir como ninguém, sabiam dançar, e a Bíblia supostamente dizia para você não dançar; mas se você souber interpretar os textos, eles dizem que você pode dançar, pois tudo está escrito num grande código.
A Igreja Católica tem muitos tabus. É lógico que, não sendo parte daquilo que a ortodoxia católica estabelecesse, “estaria errado”, e isso assusta. Portanto, a instituição ia realmente querer castrar essas visões diferentes, como castram até hoje. Na visão da Igreja, ninguém pode dizer que tem intuição; no máximo, você pode ter algumas visões, e se elas se encaixarem na Igreja Católica, você vira santo; senão, você é uma bruxa (no sentido negativo e demoníaco). Porque é inexplicável para eles.
Como uma pessoa pode ter uma visão como Jesus? Jesus era um bruxo. Ele tinha visões, ele conhecia as pessoas. Uma bruxa, ou uma pessoa que conhece e sabe lidar com magia, é isso: ela conhece o ser humano, ela sabe o que o ser humano é, se ele tem capacidade de ajudar ou de destruir. E a Igreja Católica não sabe interpretar isso, pois eles teriam de rever os dogmas sobre o messias: teríamos vários messias, em vez de apenas um? Isso começa a complicar muito para eles, e eles começam a dizer que são coisas negativas, coisas do demônio; e passam a castrar, é claro, queimando. Mas existe uma diferença entre o que Jesus Cristo pregou e ensinou e o que a instituição fez ao longo dos séculos.

O trabalho que você desenvolve está mais ligado à qual parte da bruxaria? À européia, que é uma tradição familiar, ou ao druidismo, ligado aos celtas?
NZ: A tudo. “A arte” é tudo. Bruxaria é fogo, terra, ar e água. Desde quando surgiu o fogo, a terra, o ar e a água, existiu a bruxaria. Você tem que entender um pouco de cada coisa, e ao mesmo tempo você não entende nada. Toda bruxa tem que saber se proteger de influências e espíritos maléficos, de coisas ruins. As bruxas só passam ensinamentos na hora certa, no momento certo, no dia certo. E, muitas vezes, elas são rejeitadas por isso.

E a que ramo das antigas linhas da magia os Discípulos da Arte são ligados?
PF: A nossa hierarquia básica é dos ciganos – com mais de 3 mil anos –, e também dos druidas. Existiram muitas vertentes na Inglaterra, e são relatados conhecimentos básicos de nossos ancestrais que vêm dos druidas.

Daí poderia vir a aceitação de Jesus como um mago? Porque na Irlanda ele é aceito como um arquidruida.
PF: Exatamente. Não só isso, mas também, se você estudar outras linhas muitas vezes não encontrará a presença de homens, pois não existem posições para eles. Mas devido à influência do druidismo (que aceitava também Jesus), existe a aceitação do homem dentro do clã.
Você pode ver que a bruxaria do homem é diferente. Se você analisar como Jesus fazia as coisas, é diferente. O homem pode ter mão de cura, como não? Jesus tinha. Para nós, Jesus é um guardião; ele tinha conhecimento, sabedoria, era plácido e conhecia o seu poder interior.
Essa é a diferença. Uma bruxa vai te encantar, te enfeitiçar, fazer comidas. Jesus não fazia nada: ele simplesmente tinha um dom, era calmo, era um bruxo. O druidismo nos trouxe isso: aceitar o homem. Se nós tivéssemos origem em outra hierarquia, com certeza, o homem não seria aceito.

E aquelas receitas que a gente vê nos livros da Idade Média, nas quais se usava asa de morcego e aquelas coisas malucas? De onde surgiu isso?
NZ: As bruxas já tinham a fama de serem uma coisa medonha, portanto, elas não passavam as receitas de comida para ninguém. Então, asa de morcego nada mais é do que alface. Elas tinham um código entre elas, como asas de borboleta, que são folhas de louro. Usavam códigos da natureza para falar sobre os condimentos.

Então, essa bruxaria está ligada à cozinha?
NZ: Sim. É numa cozinha que você faz tudo isso.

Quer dizer que eu posso estar cozinhando e fazendo magia?
NZ: Lógico que sim. Por exemplo, se você está com raiva, nós sempre dizemos: “Não faça comida, porque ela pode prejudicar alguém”. Comida é vida. A comida é uma bênção. É o alimento que o mantêm vivo. Na comida é que você faz a magia da vida. Se estamos amamentando, não podemos amamentar com raiva porque pode vai dar dor de barriga no bebê. O alimento tem de ser feito com muito amor, com carinho. Acima de tudo, carinho; trabalhar com aquela energia de que "vai dar certo".

Como a pessoa pode ter contato com o seu lado mágico?
PF: Todo dia ela tem contato com seu lado mágico. Ser magista e ser bruxa são coisas diferentes. O lado mágico é como você vai agir no seu dia-a-dia, como você vai interpretar as coisas. A magia é mental. É claro que em muitos casos nós usamos comidas, mas usamos muitas outras coisas.
A magia também leva você a se conhecer, a conhecer suas limitações. É como o desejo. O que é o desejo? Você precisa se perguntar se esse desejo vai fazer bem para você e quantas pessoas ele vai ajudar ou prejudicar. Isso também é a magia. É você conhecer a si próprio, entender-se, ter uma boa alimentação; é não ser hipócrita, é não dizer só da boca para fora que ajuda a tudo e a todos. É ajudar realmente de coração, não pensando receber nada em troca. Isso, sim, é magia, um grande conhecimento. A magia é isso: ajudar o próximo e não apenas a si mesmo.

Então, esse desenvolvimento da magia tem como objetivo melhorar o ser humano?
NZ: Melhorar o ser humano. Olhe o mundo em que vivemos. Há pessoas que rezam todos os dias pela paz mundial, existem grandes fraternidades, o que eu acho bonito. E o mundo está cada vez mais estranho. Imagine se não fizessem isso?
Mas se a pessoa acha que não pode ajudar o mundo inteiro, ajude a quem puder, a quem está ao seu lado.

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